27 de jun. de 2017

Um barão negro, seu palácio e seus 200 escravos


Família resgata memória de um dos homens mais ricos do Brasil Imperial e que ganhou título da princesa Isabel
 

Caio Barreto Briso - Algumas páginas poderiam se desfazer em mãos descuidadas. São documentos guardados a sete chaves há mais de um século. Embora esmaecidas, as folhas mancham de tinta os dedos de quem as manuseia. “Aqui está a história da nossa família”, diz Mônica de Souza Destro, de 44 anos, na sala de sua casa, em Juiz de Fora. Ela tem muitas pastas empilhadas na sua frente, onde guarda fragmentos de uma história tão esquecida quanto fascinante.

Revirar esses papéis é voltar ao tempo do tataravô de Mônica, o mineiro Francisco Paulo de Almeida, um dos mais importantes barões do café do segundo reinado. Titulado como Barão de Guaraciaba pela própria princesa Isabel, acumulou um enorme patrimônio no Vale do Paraíba fluminense. Suas fazendas estendiam-se pelos estados do Rio e também de Minas Gerais, somando um vasto território estimado em 250 quilômetros quadrados — e uma fortuna de quase 700 mil contos de réis, coisa de bilionário. Mas um detalhe tornava o barão diferente dos outros nobres. Ele era negro em um país escravocrata. Reinou em um mundo dominado por brancos.

— Foi um gênio das finanças. Seu patrimônio era colossal, nem a queda do café o fez quebrar. As sedes de suas fazendas eram belíssimas, ele vivia no extremo luxo. Tinha investimentos diversificados, aplicava em ações, fundou bancos. Por isso se tornou um dos homens mais ricos de seu tempo — afirma o historiador José Carlos Vasconcelos, especialista no passado do Vale do Paraíba.
 Poder. Aristocrata viveu até os 75 - Reprodução/Álbum de família

Mônica é a guardiã dos documentos históricos que reconstroem a história do barão. Com a ajuda de Vasconcelos, ela está montando a árvore genealógica de sua família. É um trabalho hercúleo. Em um software de genealogia instalado em seu computador, já cadastrou 580 nomes de parentes. A lista começa com os 15 filhos que o barão teve com a mulher, dona Brasília, e chega até Marina, de 10 anos, caçula de Mônica. Quem começou a organizar o arquivo da família foi seu avô, o engenheiro Antonio Augusto de Almeida e Souza. Até os 98 anos, idade em que morreu, cuidou com esmero de todas as fotos, inventários, testamentos e certidões de nascimento e óbito dos parentes. Cada filho e neto do barão possui uma minibiografia, escrita à mão por seu Antonio.

Embora fosse negro, o aristocrata estava longe de ser um abolicionista. Quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, tinha cerca de 200 escravos na fazenda Veneza, em Conservatória, onde possuía mais de 400 mil pés de café. Mesmo com a abolição, a maioria continuou trabalhando para o barão, e alguns foram incluídos no testamento — caso de Isabelinha, que trabalhava na sede da fazenda e ganhou, na divisão da herança, o mesmo valor em dinheiro que os filhos homens: quase 2.000 contos de réis.

Para desenvolver a árvore genealógica da família, Mônica, que trabalha como secretária em um consultório médico, foi atrás dos primos mais distantes. Conheceu diversos parentes de quem nunca ouvira falar, vários deles encontrados no Facebook — nem todos se interessaram em ajudá-la. Dos 13 filhos do barão, 12 casaram e aumentaram a família — a exceção é Serbelina, a primogênita, que só viveu até os 2 anos. Com a morte do patriarca, em 1901, em uma mansão no Catete — para onde se mudou após vender o Palácio Amarelo, em Petrópolis, à Câmara dos Vereadores —, sua família se espalhou por cidades do Rio e de Minas. A maioria dos descendentes não se parece mais nem de longe com o barão. Alguns, como Mônica, têm olhos claros — as filhas de Guaraciaba se casaram com portugueses, e os filhos, com mulheres brancas.

Lembranças. Mônica Destro, tataraneta do barão: olhos azuis entre descendentes - Marcelo Carnaval / Agência O Globo

Familiares e historiadores acreditam que o barão tenha começado a vida como ouvires, especialista na confecção de abotoaduras de ouro. Também ganhava dinheiro tocando violino em enterros. Mas foi ao tornar-se tropeiro que ele teria lucrado o bastante para comprar sua primeira fazenda, em meados do século XIX.

O que ainda não se sabe sobre o barão, a tataraneta Mônica está tentando descobrir. Seu sonho é escrever um livro contando a saga do negro que conquistou o império.

— O ramo da minha família é um dos que possuem menos recursos. Mas a história está conosco. Para mim, é o que importa — afirma.

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