15 de set. de 2013

O ECLIPSE DA FIGURA DO PAI E A VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE

Leonardo Boff - É notória a crise da figura do pai na sociedade contemporânea. Por função parental, ele é o principal criador do limite para os filhos e filhas. Seu eclipse provocou um crescimento de violência entre os jovens nas escolas e na sociedade, que é exatamente a não consideração aos limites.

O enfraquecimento da figura do pai desestabilizou a família. Os divórcios aumentaram de tal forma que surgiu uma verdadeira sociedade de famílias de divorciados. Não ocorreu apenas o eclipse do pai mas também a morte social do pai. A ausência do pai é, por todos os títulos,  inaceitável. Ela desestrutura os filhos/filhas, tira o rumo da vida, debilita a vontade de assumir um projeto e ganhar autonomamente a própria vida.

Faz-se urgente um re-engendramento, sobre outras bases,  da figura do pai. Para isso, antes de mais nada, é de fundamental importância fazer a distinção entre  os modelos de pai e o princípio antropológico do pai. Esta  distinção, descurada em tantos debates, até científicos, nos ajuda a evitar mal-entendidos e a resgatar o valor inalienável e permanente da figura do pai.

A tradição psicanalítica deixou claro que o pai  é responsável pela primeira e necessária ruptura da intimidade mãe-filho/filha e a introdução do filho/filha num outro continente, o transpessoal, dos irmãos/irmãs, dos avós, dos parentes e de outros da sociedade. Na ordem  transpessoal e social, vige a ordem, a disciplina, o direito, o dever, a autoridade e os limites que devem valer entre um grupo e outro. Aqui as pessoas trabalham, se conflituam e realizam projetos de vida. Em razão disso, os filhos/filhas devem mostrar segurança, ter coragem e disposição de fazer sacrifícios, seja para superar dificuldades, seja para alcançar algum objetivo.

Ora, o pai é o arquétipo e a personificação simbólica destas atitudes. É a ponte para o mundo transpessoal e social. A criança, ao entrar nesse novo mundo, deve poder orientar-se por alguém. Se lhe faltar essa referência, ela se sente insegura, perdida, sem capacidade de iniciativa. É neste momento que se instaura um processo de fundamental importância para a psiquê da criança com consequências para toda a vida: o reconhecimento da autoridade e a aceitação do limite que se adquire através da figura do pai.

A criança vem da experiência da mãe, do aconchego, da satisfação dos seus desejos, do calor da intimidade onde tudo é seguro, numa espécie de paraíso original. Agora, tem que aprender algo de novo: que este novo mundo não prolonga simplesmente a mãe; nele, há conflitos e limites. É o pai que introduz a criança no reconhecimento desta dimensão. Com sua vida e exemplo, o pai surge como portador de autoridade, capaz de impor limites e de estabelecer deveres.

É singularidade do pai ensinar ao filho/filha o significado destes limites e o valor da autoridade, sem os quais eles não ingressam na sociedade sem  traumas. Nesta fase, o filho/filha se destaca da mãe, até não querendo mais lhe obedecer e se aproxima do pai: pede para ser amado por ele  e espera dele orientações para a vida. É tarefa do pai explicar, ajudar a superar a tensão com a mãe  e recuperar a harmonia com ela.

Operar esta verdadeira pedagogia é  desconfortável. Mas se o pai concreto não a assumir estará prejudicando pesadamente seu filho/filha, talvez de forma permanente. O que ocorre quando o pai está ausente na família ou há uma família apenas materna? Os filhos parecem mutilados, pois se mostram inseguros e se sentem incapazes de definir um projeto de vida. Têm enorme dificuldade de aceitar o princípio de autoridade e a existência de limites.

Uma coisa é este princípio antropológico do pai, uma estrutura permanente, fundamental no processo de individuação de cada pessoa. Esta função personalizadora não está condenada a desaparecer. Ela continua e continuará a ser internalizada pelos filhos e filhas, pela vida afora, como uma matriz na formação sadia da personalidade. Eles a reclamam.

Outra coisa são os modelos histórico-sociais, que dão corpo ao princípio antropológico do pai. Eles são sempre cambiantes, diversos nos tempos históricos e nas diferentes culturas. Eles passam. Uma coisa, por exemplo,  é a forma do pai patriarcal do mundo rural, com fortes traços machistas. Outra coisa ainda é o pai da cultura urbana e burguesa, que se comporta mais como amigo que como pai, e aí se dispensa de impor limites.

Todo este processo não é linear. É tenso e objetivamente difícil mas imprescindível. Os pais devem se coordenar, cada um na sua missão singular, para agirem corretamente. Devem saber que pode haver avanços e retrocessos; estes pertencem à condição humana concreta e são normais.

Importa também reconhecer que, por todas as partes, surgem figuras concretas de pais que com sucesso enfrentam as crises, vivem com dignidade, trabalham, cumprem seus deveres, mostram responsabilidade e determinação, e desta forma cumprem a função arquetípica e simbólica para com os filhos/filhas. É uma função indispensável para que eles amadureçam e ingressem na vida sem traumas  até que se façam eles mesmos pais e mães de si mesmos. É a maturidade.

*Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é também escritor. É dele o livro ‘Proteger a Terra e cuidar da vida: Como escapar do fim do mundo' (Record, 2010). - leonardo Boff 
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