4 de mai. de 2013

NHÁ CHICA, PRIMEIRA BEATA NEGRA DO BRASIL, SERÁ RECONHECIDA NESTE SÁBADO; ENTENDA O PROCESSO


Izabelle Mundim/Do UOL, em São Paulo 

O pequeno município mineiro de Baependi (400 km de Belo Horizonte) vai ser palco neste sábado (4) da cerimônia preparada pela Igreja Católica para oficializar a beatificação de Nhá Chica, a leiga Francisca Paula de Jesus, primeira negra a ser declarada beata no Brasil.

O ritual de beatificação acontecerá no Santuário Nossa Senhora da Conceição, onde estão hoje os restos mortais da candidata à santa.

Filha livre de uma ex-escrava, Nhá Chica nasceu em meados de 1810, em Santo Antônio do Rio das Mortes, distrito de São João Del Rei (MG). Mudou-se para Baependi aos oito anos, com o irmão, quatro anos mais velho, e a mãe, que morreu quando ela tinha 10 anos, deixando-os sozinhos.

Em Baependi, viveu uma vida de caridade, recebendo pessoas para dar conselhos e ajudando os mais necessitados, o que lhe conferiu o título de "mãe dos pobres".

Quando morreu, em 1895, Nhá Chica já tinha fama de santa, mas o reconhecimento oficial demorou a vir. A comissão em prol de sua beatificação só teve início quase 100 anos mais tarde, em 1989.

Antes de se tornar santo, o candidato é reconhecido como servo de Deus, venerável e beato, com o reconhecimento de um milagre. O título de santo só é dada a que tem dois milagres reconhecidos.

Nhá Chica passou a ser considerada pela Igreja Católica como serva de Deus em 1991 e, no começo de 2012, foi reconhecida como venerável.  

Há apenas dois santos no Brasil: Madre Paulina, que nasceu na Itália e veio para o Brasil aos 10 anos, foi canonizada em 2002; e Frei Galvão, que nasceu em Guaratinguetá (SP), se tornou santo em 2007.

Milagre em Caxambu
O milagre que permitiu o início do processo de Nhá Chica foi a cura de um grave problema de nascença no coração da professora aposentada Ana Lúcia Meirelles Leite, de Caxambu (MG).

Quando foi diagnosticada com o problema cardíaco, em 1995, Ana Lúcia foi orientada por médicos de Varginha (MG), Belo Horizonte e São Paulo a passar por uma cirurgia imediatamente. Ela então rezou e pediu a intervenção de Nhá Chica. Logo depois, teve febre e não pôde ser operada. Seis meses depois, quando decidiu remarcar a operação, novos exames constataram que ela estava curada.

Em outubro de 2011, a pedido do Vaticano, uma comissão de médicos validou a cura como milagre. O reconhecimento foi assinado em junho de 2012 pelo então papa Bento 16.

Brasil tem 70 candidatos a santos
Mais de 70 pessoas têm boas chances de se tornarem santos no Brasil, sendo que 70 delas se tornaram beatas coletivamente, por terem sido brutalmente mortas durante uma missa no interior do Rio Grande do Norte, em 1645. 

O levantamento foi obtido junto ao Vaticano pela freira aposentada Célia Cadorin, 86, responsável pelo processo de beatificação de Madre Paulina e Frei Galvão. A postuladora, ou "advogada dos santos", que pertencente à Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, fundada por Madre Paulina em 1890, já viajou o Brasil todo atrás de milagres que provassem a santidade de seus "clientes" e viveu na Itália durante 14 anos para pesquisar a vida deles.

"O postulador é um religioso do local onde a pessoa nasceu que é indicado pela Igreja para defender o processo de canonização", explica a irmã Célia. "Ele é a alma de toda a causa. Se ele se empenha, a causa anda", avalia ela.

Além de postuladora, irmã Célia é uma das miraculadas de Madre Paulina, nome dado àquele que recebe um milagre. Quando tinha 13 anos, teve complicações no pulso direito após sofrer uma queda no convento de Nova Trento (SC). Depois de colocar no machucado um cravo tirado do caixão de Madre Paulina por uma tia de irmã Célia, que era freira da mesma congregação, seu pulso foi curado plenamente, desinchando em menos de 24 horas.

Etapas
Em entrevista ao UOL, no convento onde também viveu Madre Paulina quando morou em São Paulo, a religiosa explica o processo que envolve a beatificação.

Segundo ela, uma causa começa a partir do momento em que uma pessoa ganha fama de santa na região onde viveu e morreu. É o caso, por exemplo, de Nhá Chica, cujo túmulo era frequentado por muitos devotos antes mesmo de uma causa ser iniciada. "Então um bispo, um padre ou uma associação verifica se há fundamentos para a abertura de uma causa e entra com o pedido junto à Congregação para a Causa dos Santos, no Vaticano, com uma descrição biográfica sobre a vida, as virtudes e a fama de santidade", disse.

Feito isso, o Vaticano dá uma resposta negativa ou um nihil obstant, que indica que nada impede que a causa seja iniciada, o que dá início então à fase diocesana, quando um bispo diocesano local instala um tribunal eclesiástico para investigar a vida do candidato a santo e provar que ele merece o título.

Uma comissão histórica é formada para recolher documentos sobre a vida da pessoa. "Nessa fase são ouvidos aqueles que conheceram, conviveram ou ouviram falar dele para provar que tem fama de santidade", explicou irmã Célia, que diz gostar de professoras aposentadas para fazer essa parte do trabalho. Os documentos são classificados em religiosos, referentes à família e ao trabalho, arquivos civis e escolares, entre outros.

Na hora de dar os depoimentos, as testemunhas fazem um juramento de dizer a verdade, inclusive se o candidato a santo tinha defeitos. "Tudo é muito esmiuçado e muito sério. Não é faz de conta. É tudo científico, tem que ser provado", disse.

Duas vias de todos os documentos são entregues pelo postulador à Congregação dos Santos, no Vaticano, que, após análise, publica o primeiro decreto de validade do processo, o que torna a pessoa uma serva de Deus.

"Começa, então, a fase romana, mais longa e difícil", afirmou a religiosa, quando os documentos passam por uma comissão de historiadores do Vaticano, uma comissão de teólogos e uma comissão de bispos e cardeais. "Por fim, é marcada uma audiência com o papa."

Para confirmar o milagre atribuído ao candidato, médicos sem ligação com o Vaticano pedem exames e analisam documentos sobre o diagnóstico (constatação da doença), o prognóstico (como a doença evoluiria), a terapia recomendada e se ela precisou ser ou não seguida. Outra comissão, a teológica, analisa os mesmos itens somados à invocação feita para se alcançar a cura.

"Para ser considerada um milagre, a cura deve ser rápida, duradoura e sem sequelas", lembra irmã Célia. "Se os médicos concluírem que a cura não tem explicação científica nenhuma e se os teólogos constatarem que a graça foi alcançada por intermédio do venerável, o papa publica um terceiro decreto e ele passa a ser beato."

Quando um segundo relato de milagre passa por todo esse processo e é aprovado, o beato é finalmente canonizado e vira santo.

Anos atrás, o Vaticano exigia dois milagres para beatos e quatro para santos. No entanto, isso mudou com o papa de João Paulo 2º, que chegou a afirmar na época que "o Brasil precisa de muitos santos". Com as novas regras, as chances dos candidatos brasileiros à canonização aumentaram. "O que foi ótimo, pois quem faz um milagre faz dois", brinca irmã Célia.

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