24 de out. de 2012

JOAQUIM BARBOSA, O INCORDIAL


Por Ivar A. Hartmann*, especial para o blog Ancelmo Gois

Em um país no qual a cordialidade sempre fez as pessoas silenciarem diante de abusos, a presidência do STF pelo ministro Joaquim Barbosa é uma excelente notícia. Quem o conhece pessoalmente sabe que Barbosa é uma pessoa polida e amigável. Mas não é cordial com injustiças. 

Diz-se dele que é destemperado. Que haverá tensão no Tribunal durante sua gestão. Ninguém cria tensão sozinho. Mas a verdade é que certa dose de tensão cria ambiente favorável à revisão de tradições sem sentido e à reconsideração de posicionamentos jurídicos antigos. A estabilidade é inimiga da inovação e do aprimoramento. A tensão será muito bem vinda. 

Disse o próprio ministro que não baixa a crista para ninguém. A relação entre o Supremo, a Presidência e o Congresso não pode ser de cordialidade. Isso fomenta corporativismo. A última coisa que Brasília precisa nesse momento é mais corporativismo. Ao guiar, de maneira exemplar, o processo do mensalão, Joaquim Barbosa deu exemplo da relação necessária entre os poderes em uma república: controle mútuo e desapego, não cortês amizade. Nesse contexto, essencial a declaração do ministro de que votou em Lula e Dilma, pois impede a simplificação de sua personalidade e de seus valores. 

Joaquim Barbosa não se cala, não se omite diante da corrupção. Em recente sessão do julgamento do mensalão, deixou clara sua opinião de que essas barganhas anti-democráticas são a regra na política brasileira. Afirmou em entrevista que nunca se envolveu com partidos políticos, pois isso apenas diminuiria sua liberdade de expressão. O melhor exemplo de ministro do STF é aquele que não está preocupado em fazer amigos entre os políticos. 

De todos os problemas que poderá enfrentar o novo presidente do STF, é diante do racismo que a cordialidade é mais prejudicial. O ministro Joaquim poderá exercer papel chave no combate da discriminação racial. Menos por ser negro e mais por seu perfil inquieto e irresignado: não há cura melhor para a abrangente dissimulação do racismo no Brasil que enfrentar a realidade, sem medo de jogar luz sobre ela. 

O ministro Joaquim Barbosa é o incordial de quem o Brasil tanto precisa.

*Ivar A. Hartmann é pesquisador da FGV Direito Rio.

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